Creche de marmanjo
Rosely Sayão
Cheias de atividades, escolas se tornaram depósitos de filhos usados por pais ocupados demais
Se há um tipo de estabelecimento que cresce nas cidades é o depósito. Há depósitos para aquilo que não queremos mais por perto, que não usamos mais. Poderiam ser chamados de depósitos de lixo, mas nem sempre é lixo o que eles guardam.
O mundo do consumo fez crescer vertiginosamente o descarte: descartamos o aparelho de telefone celular quase novo porque saiu um outro com novíssimas funções.
Descartamos o computador recente e em pleno funcionamento porque saiu um modelo menor e mais leve; descartamos o sofá da sala que já tem o nosso cheiro e se adaptou ao formato de nosso corpo porque a linha em uso agora é de outro estilo; e o aparelho de TV porque já está ultrapassado etc.
Queremos descartar para poder consumir mais. E isso transformou-se em um problema, já que o que não usamos mais atrapalha nossa vida, dá uma aparência a ela que rejeitamos, recusamos.
Há um outro tipo de estabelecimento que também cresce nas cidades, não tanto em quantidade, e sim na ampliação dos serviços que oferece: a escola.
Até poucos anos atrás, a escola era o lugar para onde os mais novos eram encaminhados com o objetivo de estudar e/ou aprender a conviver com outros.
Hoje, a escola transformou-se em um local que serve para muitas outras coisas.
Ela serve, por exemplo, para abrigar crianças (falo de crianças integrantes de famílias de classe média para cima) cujos pais trabalham tanto que não podem ir buscar seus filhos no horário que as aulas terminam. Dessa maneira, a escola permanece aberta até altas horas, até que os pais sejam liberados de seus afazeres e possam ir buscar seus rebentos.
Há também as escolas que tentam satisfazer necessidades das famílias de seus alunos: montam pequenas lojas de conveniência e até academias de ginástica para que os pais aproveitem e já façam por lá mesmo o que querem e precisam enquanto os filhos ficam por lá, seguros.
Ah! E não podemos esquecer dos restaurantes escolares: para que os pais possam ter a oportunidade de fazer as refeições com seus filhos, por que não oferecer lá mesmo, dentro da escola, um local adequado para tanto?
E o que dizer da indústria das chamadas "atividades extracurriculares"? Elas servem mesmo é para que os mais novos tenham mais o que fazer no espaço escolar.
Pois agora surgiu uma nova moda: o ensino médio em tempo integral. Os adolescentes podem passar o dia todo na escola, pagando mais caro por isso, é lógico.
Além do período das aulas regulares, eles têm todo o outro período para dormir, descansar, fazer seus deveres "de casa", realizar projetos diferenciados, fazer as refeições do dia etc. E etc. E tudo com a supervisão direta de professores, tutores, orientadores, coordenadores de projetos.
A vida deles vai se resumir à escola. Quando vão namorar? Quando vão ficar horas no ócio, trancados no quarto, só tentando entender seu novo corpo, esse mundo, seus pensamentos?
Como disse um desses jovens, ele não queria frequentar o que ele chama -de modo brilhante- de "creche de marmanjo". Ele quer ter o direito de ter a sua própria vida, mas o problema é que seus pais acharam isso uma excelente ideia. E ele já está frequentando a tal creche.
A escola privada está cada vez mais parecida com os depósitos de nossos descartes, não é verdade?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Matéria publicada na Folha de São Paulo, 13 de fevereiro de 2012.
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