terça-feira, 3 de fevereiro de 2015


Corrupção, educação de qualidade e (re)primarização da economia





Luiz Flávio Gomes ,Especial para Opinião Pública
Levantamento do Instituto Avante Brasil mostra, em valores atualizados, que 31 casos de corrupção (de 1980 a 2014) geraram um rombo ao erário público de R$ 120 bilhões. Campeão da pilhagem ao patrimônio público continua sendo o caso Banestado (R$ 60 bi), seguido da Petrobras (cuja estimativa preliminar gira em torno de R$ 10 bi a R$ 20 bi).
Custa acreditar nessas cifras monstruosas, mas, enfim, quem ignora todos esses fatos públicos e notórios, impregnados na nossa cultura? Quem ignora que nosso País, um dos paraísos mais cobiçados da cleptocracia mundial (em razão da combinação “ganhos ilícitos certos com impunidade assegurada”), sempre se viu e sempre foi visto como uma nação, para além de obscenamente desigual (dentre as dez mais desiguais do planeta), completamente desgastada pela corrupção? 
Outro destino, menos cruel, lhe poderia estar reservado, a mim não cabe nenhuma dúvida em afirmar isso. Seguramente, o Brasil merece ocupar lugar distinto no concerto das nações, especialmente as que desfrutam de respeitabilidade internacional; mas a cínica política dos egoístas cleptocratas (ou seja: dos grandes ladrões que cogovernam o País) nunca lhe permitira algo diferente do que realmente é, uma “republiqueta”, embora pujante, além de bela e futurista, desacreditada no conceito geral e internacional, que parece estar, antes de tudo, condenada a representar senão a escória de todas elas, ao menos, uma das menos confiáveis.
O eficaz combate à corrupção é tarefa absolutamente inadiável (aprimoramento dos órgãos de controle, integração de todos esses órgãos, recuperação do dinheiro desviado etc.), no entanto, é preciso não esquecer que não é a única.
Com tanta corrupção, é evidente que não sobra o suficiente para a educação de qualidade para todos, em período integral; temos consciência, adicionalmente, que sem educação de qualidade para todos, jamais construiremos um País inteiramente civilizado. Aliás, ao contrário, por falta de capital humano, já salta aos olhos retrocessos deveras preocupantes como a falta de crescimento econômico e a reprimarização da economia. 
Que é isso? Isso significa que estamos perdendo as oportunidades criadas por mais uma revolução histórica, a cibernética e comunicacional, mantendo nosso velho papel de provedor (agrário e mineral) de bens primários (commodities), para os centros avançados do capitalismo. Mais uma oportunidade que estamos jogando fora. 
A regressão tecnológica brasileira é palpável (com exceção, precisamente, dos setores agropecuários). O empobrecimento cultural é evidente. 
A competitividade internacional da indústria brasileira é ridícula. Estamos nos aprofundando no abismo do atraso (e tudo se passa como se nada fosse).
Leia o texto na íntegra clicando em mais informações.


Saiba mais
No final do século XV, os espanhois (Fernando e Isabel à testa) descobriram o Novo Mundo (com Cristóvão Colombo), que passou a fazer parte do capitalismo global decorrente das expedições ultramarinas, porém, na condição de colônia, de “proletariado externo”, de provedor de bens extraídos da terra para a acumulação ibero-americana (primeiro), depois Inglaterra, França e Holanda (neocolonialismo) e, por fim, EUA e tantos outros países. Nos séculos XVI-XVIII, em virtude da formação colonial-escravagista do Brasil, não fomos beneficiados pelos progressos da Revolução mercantil, salvo muito reflexamente. Aconteceram inovações nessa época (a metalurgia, a navegação oceânica, o ensino público etc.), mas tudo isso se voltou não para a melhora do povo, sim, de uma pequena elite bem como para a intensificação da produção agrária-escravagista, sob o império de uma cultura patriarcal-autoritária, disseminada pela Igreja. O centro de comando estava na Europa (Portugal e Espanha), que explorava os polos dependentes (ou seja: parasitavam o Novo Mundo, incluindo o Brasil), para satisfação das suas necessidades. Nossa condição de colônia nos impediu dar o salto evolutivo da Revolução Mercantil (veja Darcy Ribeiro, Teoria do Brasil: 48-9). Perdemos essa primeira oportunidade de evolução civilizatória. Não passamos de uma grande feitoria, provedora de bens primários para a Europa.
Com a eclosão da Revolução Industrial (século XVIII, na Inglaterra, sobretudo), Portugal se fecha em si mesmo (conservadoramente) e não se atualiza. Pelo contrário, se arcaíza. Nessa altura já é um País completamente obsoleto, retrógrado e ensimesmado (em virtude do seu exagerado conservadorismo e inapetência para inovar). 
Ao perder forças, dá ensejo à Independência do Brasil (1822), que tampouco aproveita a onda da Revolução Industrial (muito menos a do liberalismo francês ou mesmo do Iluminismo), salvo reflexamente (ferrovias, navios a vapor, telégrafo, telefone, energia elétrica, motores-a-explosão etc.). De colônia-escravagista nos transformamos em neocolônia, subordinada ao novo capitalismo avançado imperialista da Inglaterra, França e Holanda. Não perdemos a característica de “proletariado externo” (Darcy Ribeiro), ou seja, de provedor de bens primários para os núcleos centrais fortalecidos pelas novas tecnologias.
Duas revoluções (mercantil e industrial), duas oportunidades perdidas. Em parte pelo atraso de Portugal, mas, sobretudo, pelas limitações e condicionamentos (ideológicos e históricos) da nossa própria elite dominante, que nunca levou a sério o desenvolvimento de um projeto nacional para todos. 
Não nos atualizamos tecnológica nem culturalmente. Herança da estrutura social retrógrada implantada pelo colonialismo escravagista. Classe dominante sem horizontes inovadores. Impregnação do espírito extrativista, parasitário e explorador. Repetição dos erros dos portugueses.
 (Luiz Flávio Gomes, jurista)
Fonte:http://www.dm.com.br/opiniao/2015/02/corrupcao-educacao-de-qualidade-e-reprimarizacao-da-economia.html

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